Mato Grosso do Sul se destaca negativamente no cenário nacional ao figurar entre os estados com as maiores taxas de violência contra pessoas com deficiência. De acordo com os dados extraídos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e organizados no Atlas da Violência de 2025, esse triste cenário revela uma realidade alarmante e muitas vezes invisibilizada. O estudo mostra que pessoas com deficiência intelectual são as principais vítimas dessas agressões, sendo as mulheres o grupo mais afetado. Isso indica que a interseccionalidade entre gênero e deficiência aprofunda a vulnerabilidade e amplia os riscos de sofrerem diferentes formas de violência.

O levantamento apresenta a taxa de notificações de violências contra pessoas com deficiência por 100 mil habitantes, segmentada por unidade federativa e tipo de deficiência, com foco nos dados de 2023. Nesse cenário, Mato Grosso do Sul aparece com índices que superam significativamente a média nacional, o que reforça a urgência de ações específicas para combater esse problema estrutural e persistente.
A análise dos registros mostra que os tipos de violência mais frequentes são a física e a sexual, ambas caracterizadas por grande crueldade e, em muitos casos, extrema recorrência. O dado mais estarrecedor é que grande parte dessas agressões acontece dentro da residência da vítima, o que transforma o lar — tradicionalmente visto como um espaço de proteção e cuidado — no epicentro da violência. Mais de 50% dos casos têm como autores familiares diretos ou cuidadores próximos, pessoas que deveriam garantir apoio e segurança, mas acabam perpetuando o ciclo de abusos.
Para pessoas com transtornos mentais, a situação é ainda mais grave: em 54% dos registros, as agressões ocorreram dentro de casa, evidenciando que o isolamento, a dependência e a dificuldade de comunicação podem favorecer a impunidade e a continuidade dos abusos.
Outro dado extremamente preocupante é a alta prevalência de violência sexual entre meninas e adolescentes com deficiência intelectual. Em algumas faixas etárias, esse tipo de agressão supera até mesmo os casos de violência física, revelando um quadro de extrema vulnerabilidade. Essas jovens enfrentam barreiras adicionais ao tentarem relatar os abusos, muitas vezes não sendo levadas a sério ou nem mesmo sendo compreendidas, o que contribui para a invisibilidade e a subnotificação dos casos.
Apesar da existência de políticas públicas como o programa federal “Novo Viver sem Limite”, criado com o objetivo de promover a inclusão e proteção das pessoas com deficiência, a ausência de dados consolidados, a fragmentação dos serviços e a carência de equipes capacitadas ainda dificultam a eficácia das ações implementadas. A falta de estrutura, o desconhecimento sobre os direitos das pessoas com deficiência e a pouca articulação entre as redes de saúde, segurança pública e assistência social agravam ainda mais a situação.
A atual conjuntura aponta para uma combinação perversa entre negligência institucional, invisibilidade social e reincidência dos agressores. Isso exige respostas mais rápidas, firmes e coordenadas por parte do poder público, da sociedade civil e das instituições de justiça e proteção. Em estados como o Mato Grosso do Sul, onde os números estão entre os mais altos do Brasil, torna-se essencial investir em prevenção, formação de profissionais, canais acessíveis de denúncia e no fortalecimento das políticas de acolhimento e acompanhamento às vítimas.
É necessário romper o silêncio que cerca essas violências e reconhecer que as pessoas com deficiência, especialmente mulheres e crianças, têm direito a uma vida livre de medo, abuso e exclusão. O enfrentamento dessa realidade começa com o reconhecimento da sua gravidade e com o compromisso coletivo de transformar estruturas, práticas e culturas que ainda toleram ou ignoram essas violações.