Em mais um capítulo da crescente judicialização das disputas fundiárias no país, a Polícia Federal deflagrou na manhã de ontem (8) a operação Pantanal Terra Nullius, que revelou um sofisticado esquema de grilagem de terras públicas no Mato Grosso do Sul. O grupo criminoso é suspeito de se apropriar ilegalmente de áreas pertencentes à União, dentro dos limites do Parque Estadual do Pantanal do Rio Negro, com apoio de servidores públicos e objetivo de lucrar com a emissão de cotas de reserva ambiental — mecanismo previsto em lei, mas que vem sendo alvo de fraudes no estado.
O grupo se utilizava de propina para obter títulos irregulares emitidos por servidores da Agraer (Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural), vinculada ao governo estadual. Com isso, áreas públicas eram “privatizadas” de forma fraudulenta e transformadas em moeda no mercado de Títulos de Cota de Reserva Ambiental Estadual (TCRAE), uma modalidade exclusiva de Mato Grosso do Sul.
O Código Florestal Brasileiro exige que toda propriedade rural tenha uma fração de reserva legal, composta por vegetação nativa. Em casos de déficit, o proprietário pode regularizar a situação comprando cotas de reserva ambiental — que funcionam como compensação ambiental. Foi nesse ponto que os criminosos enxergaram uma oportunidade: legalizar terras públicas ocupadas ilegalmente para comercializar as cotas no mercado.
A PF cumpriu 11 mandados de busca e apreensão em Campo Grande e Rio Brilhante. Durante a ação, foram apreendidos veículos de luxo, celulares, documentos e aproximadamente R$ 600 mil em espécie. Também foram determinados bloqueios e sequestros de bens que somam mais de R$ 3 milhões.
O Parque Estadual do Pantanal do Rio Negro, criado em 2000, abrange 76,8 mil hectares e está situado entre os municípios de Aquidauana e Corumbá. A área é considerada estratégica para a preservação do bioma pantaneiro e abriga ecossistemas únicos, com lagoas permanentes e áreas alagadas que servem de berçário para a fauna aquática.
A operação mira nove pessoas, entre empresários, servidores públicos e profissionais ligados à empresa Toposat Engenharia Ltda, que teria atuado tecnicamente na manipulação de documentos fundiários. Entre os alvos estão:
- André Nogueira Borges – ex-diretor-presidente da Agraer
- Evandro Efigênio Rodrigues – funcionário da Agraer
- Jadir Bocato – gerente de Regularização Fundiária da Agraer
- Josué Ferreira Caetano – funcionário da Agraer
- Mário Maurício Vasques Beltrão – engenheiro cartógrafo, sócio da Toposat
- Bruna Feitosa Beltrão Novaes – engenheira sanitarista, sócia da Toposat
- Gustavo Feitosa Beltrão – advogado e sócio da Toposat
- Nelson Luis Moia – vinculado à Toposat
- Elizabeth Peron Coelho – empresária e pecuarista
Segundo a PF, os envolvidos ocultavam que os terrenos eram de domínio da União, o que invalidaria qualquer decisão administrativa da Agraer sobre sua regularização. A autarquia, no entanto, seguia com os trâmites, o que levanta suspeitas de corrupção ativa e passiva. Quando a origem pública da terra era descoberta, o processo era suspenso sob alegações técnicas.
A Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), responsável pela Agraer, é comandada por Jaime Verruck. Em nota, o governo estadual afirmou que “acompanha a operação e tomará todas as medidas cabíveis assim que tiver acesso aos autos da investigação”.
Além da sede da Agraer, agentes estiveram em condomínios de luxo da capital, onde apreenderam veículos como um caminhão Dodge RAM e um Volvo XC40, além de documentos e equipamentos eletrônicos. A empresa Toposat Ambiental Ltda, localizada em bairro nobre de Campo Grande, também foi alvo da operação, mas nenhum representante quis se pronunciar até o fechamento da reportagem.